
O avanço da pejotização no Brasil: dados, impactos econômicos e riscos jurídicos
14 de ago. de 2025
O mercado de trabalho brasileiro vive um movimento acelerado de migração de empregados com carteira assinada para a condição de pessoa jurídica, especialmente na modalidade de Microempreendedor Individual (MEI). Esse fenômeno, intensificado nos últimos anos, combina atrativos econômicos imediatos para profissionais e empresas, mas acarreta desafios jurídicos e sociais de grande relevância.
Entre 2022 e 2024, cerca de 4,8 milhões de trabalhadores trocaram a carteira assinada por um CNPJ, sendo 3,8 milhões na modalidade MEI e 1 milhão no Simples Nacional.
No primeiro quadrimestre de 2025, foram abertas 1,8 milhão de empresas, das quais 77,4% eram MEIs — aproximadamente 1,4 milhão de novos registros.
O percentual de trabalhadores por conta própria com CNPJ no total de ocupados subiu de 3,3% em 2012 para 6,5% em 2024, segundo cálculos da FGV com base em dados do IBGE.
Na maioria das atividades analisadas, o trabalhador PJ obteve rendimento superior ao empregado formal. Em alguns setores, a remuneração média de PJs chega a ser o dobro (ou mais) da paga a empregados com carteira assinada:
Saúde e assistência social: R$ 2,97 mil (PJ) vs. R$ 0,94 mil (carteira assinada).
Atividades imobiliárias: R$ 2,81 mil vs. R$ 0,98 mil.
Cultura, esporte e lazer: R$ 2,57 mil vs. R$ 0,98 mil.
Mídias: R$ 2,29 mil vs. R$ 1,27 mil.
Esse ganho é explicado, em parte, pela autonomia para negociar valores, atender múltiplos contratantes e organizar o próprio tempo. Contudo, vem acompanhado da perda de direitos sociais e da transferência de riscos da atividade para o trabalhador.
Do ponto de vista empresarial, a contratação como PJ representa uma economia média de 68,1% no custo total sobre o salário, devido à eliminação de encargos como:
Contribuição ao INSS (20%)
Férias (11,1%)
FGTS (8%)
13º salário (8,3%)
Benefícios previdenciários, seguro de acidente e outros tributos.
Essa redução de encargos, embora atraente para o contratante, provoca forte impacto negativo nas receitas públicas: o Ministério do Trabalho estima que a pejotização já tenha reduzido a arrecadação em R$ 61,4 bilhões no INSS e R$ 24,2 bilhões no FGTS. Um empregado formal gera R$ 33,1 mil anuais em arrecadação, contra R$ 4,1 mil de um PJ. Se todos os trabalhadores contratados após a reforma trabalhista de 2017 fossem celetistas, a arrecadação teria sido R$ 144 bilhões maior.
A migração para PJ implica a perda de benefícios trabalhistas como férias remuneradas, 13º salário, FGTS, seguro-desemprego e estabilidade em casos específicos. No campo previdenciário, a contribuição reduzida — especialmente no MEI — compromete a aposentadoria e a cobertura de riscos como doença ou invalidez. Isso fragiliza a rede de proteção social e pode aumentar a vulnerabilidade econômica de milhões de profissionais no futuro.
O Ministério do Trabalho alerta para casos de pejotização forçada, nos quais o empregado é compelido a abrir CNPJ para manter o posto de trabalho, configurando fraude à legislação trabalhista (art. 9º da CLT).
O Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu processos que questionam a legalidade dessa prática e marcou audiência pública para 10 de setembro de 2025, a fim de discutir os impactos econômicos, sociais e jurídicos da pejotização, ponderando entre a liberdade contratual e a função social do trabalho prevista na Constituição Federal.
O crescimento expressivo das PJs, impulsionado pela figura do MEI, evidencia uma reconfiguração profunda no mercado de trabalho. Embora traga ganhos imediatos de renda e reduza custos empresariais, o modelo impõe riscos à proteção social e à sustentabilidade da seguridade pública. Do ponto de vista jurídico, a linha entre contratação legítima e fraude é tênue, exigindo atenção redobrada de empresas e profissionais para evitar passivos trabalhistas e previdenciários. O debate que se aproxima no STF será decisivo para balizar os limites dessa prática e definir o equilíbrio entre flexibilidade econômica e preservação dos direitos dos empregados.
